Mudei Minha Prática
A seguir cito um trecho do trabalho realizado na interdisciplina de Estudos Sociais no qual fica clara a união dos aspectos sociais da história de meus alunos e seus familiares com a pesquisa que venho realizando no Seminário Intergrador sobre música do folclóre afro-brasileiro.
Nesse semestre Estudos Sociais me possibilitou algo mais significativo ainda, nas observações sobre a pesquisa que idealizei no meu PIE (plano individual de estudos- proposto pelo Seminário Integrador) na busca de saber sobre músicas de caráter folclórico afro-brasileiro, na matéria que publiquei no meu Blog, dia treze de junho, sobre o JONGO, cantoria e dança típicas de culturas afro-brasileiras, existentes em algumas partes de nosso país:
Então encontramos crianças pequenas com preconceitos muito grandes em relação a arte do povo brasileiro. Mas ligado, esse preconceito, muito mais diretamente a maneira como a cultura de origem africana se perpetuou como patrimônio cultural do nosso povo brasileiro. danas-brasileiras-jongo-1-de-3.html
Sobre essa afirmação é importante citar toda a carga de valor da palavra que a herança africana trouxe às maneiras de comportamentos culturais de nosso povo, mas que, no momento em que vamos cantar um tema mais ligado a uma das formas como o povo negro se comunicava (através de suas músicas) em sala de aula, sentimos no ambiente as resistências ao envolvimento com tal cantoria, como se fosse algo proibido, por conter uma expressão ritualística diferenciada dos padrões mais europeizado ou americanizados (EUA) que também fazem parte de nossa cultura. Assim tive que fazer uma transição: antes de chegar às músicas de caráter mais afro-brasileiro, tipo as de maracatu, ou mesmo o jongo, que tentei, solicitei às crianças que tentassem saber de seus pais, não por escrito, mas cantado por esses. As crianças tinham que trazer a música e ensinar seus colegas o “como” do cantar. A partir desse momento fizemos quase que literalmente, uma "viagem" no tempo e o clima ficou tão jocoso que pude avançar às músicas de caráter mais afro-brasileiro e descobri na minha turma de quarta série crianças que têm vergonha de dizerem que suas famílias são envolvidas com religiosidades afro-brasileiras, oprimidas que estavam por seus coleguinhas. Essa discussão foi linda, pois as crianças que admitiram que vivem os rituais de suas famílias, parece que tiveram “um grande peso tirado de suas costas” ao perceberem que não é tão vergonhoso ou difícil assumir aquilo que realmente somos a partir daquilo que fazemos e entendemos como algo nosso, de nossos familiares. Mas o mais intrigante dessa peculiaridade de discussão que encontrei através de uma experiência diferenciada, com a prática ampla que possibilitam os Estudos Sociais, foi o exercício da coragem de auto-afirmação das crianças: depois de uma discussão com muitas diferenças e visões sobre as religiões afro-brasileiras, fiz a pergunta: então quem é batuqueiro? E as crianças, duas, levantaram a mão com um gesto inquestionavelmente forte e orgulhoso, uma imagem que me emocionou muito, pois tinha um poder de assunção muito grandioso nos corpos e no rosto desses alunos.
O PIE é um tipo de exemplo de como fomos provocadas a planejar e estar olhando para aquele quadro e nos sintonizando com os objetivos de aprendizado pessoal e lugares de pesquisa e aquisição dos conteúdos propostos ali, no intuito de alcançarmos o desejado planejamento para a nossa prática. Confesso que a idéia de trabalhar a questão da Música para a minha pessoa era algo muito desafiador. Mais ainda quando a abordagem buscava a questão da musicalidade afro-brasileira. Mas foi exatamente nesse quesito do semestre que fui perceber a importância dos Estudos Sociais. Pude, através do PIE focado na busca de cantorias de caráter folclórico afro-brasileiro, refletir e fazer refletir sobre a questão do “valor” do instrumento pedagógico da oralidade (a história viva) como testemunho de vivência, tanto de professores, como de pais ou de alunos, para o processo educativo. E esse instrumento, que é o valor da palavra do homem, vem das culturas africanas e indígenas – dois povos que passam à margem, no que se refere a consideração de seus feitos, da história oficial e de muitos hábitos culturais que temos na população de nosso país, desde palavras até comidas e trejeitos físico-corporais, da nação brasileira, bem como de seu povo.
Assim minha prática se altera. Mudei meu jeito de planejar, porque começo a assimilar uma necessidade intrínseca ao ato de educar (que é o permanente educar-se) e assumo meu ideal de sonhar um novo ser humano para o futuro, que posso ver em meus alunos e em minhas atitudes diante deles, principalmente no que concerne aos questionamentos que temos que fazer sobre os rituais que, natural ou despretenciosamente, impomos à realidade das crianças, os quais são advindos da dinâmica viciada da rotina escolar (cirenes de polícia, filas, classes, entre outros), com seu caráter multidisciplinar, seus livros didáticos generalizantes da cultura do povo, além de abordagens curriculares que tentam nos engessar.
Essa constatação é importante porque temos que nos desafiar a apresentação de proposições que provoquem encadeamento de visão sobre as diversas matérias que temos que abordar com nossas crianças, para além da limitação dos currículos, pois fica claro como podemos preencher as várias lacunas que os modelos tradicionais de encarar a construção de conhecimento dentro das escolas impõe-se na realidade das rotinas da escola. Não deixamos de planejar por fazer essa incursão em um mundo cultural diferenciado como o da cultura afrobrasileira e ainda abordamos assuntos de resgate cultural que situam as pessoas (alunos, pais e professores) sobre as questões de tempo e espaço de vivência local. O fundamental, entretanto, foi que percebi que se tivermos que esperar por currículo não conseguimos avançar sobre a inserção das questões culturais que ainda não estão lá... Até aquelas que se referem a nossa própria vivência (como experiência de vida), como educadoras, à solução de entraves na experiência de educar, no encontro com nossos alunos e a dinâmica das escolas. Aprendi que planejamos não especificamente para ficarmos limitadas ao que já está escrito, mas sim para avançarmos para além... Entender a história viva que se dá também na conversa informal, no clima de afetividade e respeito as tradições de cada família, de cada aluno, em diálogos que são oralidades que vivemos e não percebemos que constróem conhecimentos puros.
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